sexta-feira, 7 de março de 2008

Teologia Ascética e Mística: Da graça habitual (Parte I)


Deus Nosso Senhor, querendo, na sua infinita bondade, elevar-nos até Si, na medida em que o permite a nossa fraca natureza, dá-nos um princípio vital e sobrenatural, deiforme: é a graça habitual, graça que se chama criada, por oposição à graça incriada, que consiste na habitação do Espírito Santo em nós. Esta graça torna-nos semelhantes a Deus e une-nos a Ele de uma maneira estreitíssima: "Est autem haec edificatio, Deo quaedam, quoad fieri potest, assimilatio unioque". São estes os dois aspectos que vamos expor, quando a definição tradicional, e determinando com precisão a união produzida pela graça entre a nossa alma e Deus.


Definição


Define-se ordinariamente a graça habitual: uma qualidade sobrenatural, inerente à nossa alma, que nos faz participar, dum modo real, formal, mas acidental, da naturezas e vida divinas.


É pois uma realidade de ordem sobrenatural, não porém substância, pois que substância nenhuma criada pode ser sobrenatural; é uma maneira de ser, um estado da alma, uma qualidade inerente à substância da nossa alma, que transforma e eleva acima de todos os seres naturais, ainda os mais perfeitos; qualidade permanente, de sua natureza, que fica em nós, enquanto não expelimos da nossa alma cometendo voluntariamente um pecado mortal. "É, diz o Cardeal Mercier¹, apoiando-se em Bossuet, esta qualidade espiritual que Jesus difunde em nossas almas; que penetra o mais intimo da nossa substância; e que se imprime no mais secreto de nossas almas e se derrama (pelas virtudes) em todas as potências e faculdades da alma; que, tomando posse dela interiormente, a torna pura e agradável aos olhos deste divino Salvador e faz seu santuário, seu templo, seu tabernáculo, enfim seu lugar de delícias"


Esta qualidade tornar-se, segundo a enérgica expressão de São Pedro, participantes da natureza divina, divinae consortes nature; faz-nos entrar, communicatio Sancti Spiritus; em sociedade com o Pai e o Filho, ajunta São João. É que não nos faz iguais a Deus, mas unicamente seres deiformes, semelhantes a Deus; dá-nos, não a vida divina em si mesma, que é necessariamete incomunicável, senão uma vida semelhante à de Deus. Eis o que vamos explicar, na medida em que a inteligência humana pode atingir mistério tão sublime.


A vida própria de Deus é ver-se a si mesmo diretamente e amar-se infinitamente. Criatura alguma, por mais perfeita que se suponha, pode si mesma comtenplar a essência divina "que habita uma luz inacessível, lucem inhabitat inacessibilem". Mas Deus, por um privilégio inteiramente gratuito, chama o homem a comtemplar esta divina essência no céu; e, como este por si mesmo é incapaz, Deus eleva, dilata, fortifica-lhe a inteligência pelo lume da glória. Então, diz-no-lo São João, seremos semelhantes a Deus, porque o veremos como ele é em si mesmo: "Smiles ei erimus, quoniam videbimus eum sicut est". Veremos, acrescenta São Paulo, não já através do espelho das criaturas, senão face a face, sem intermédio e sem nuvem, como uma claridade luminosa: "Videmus nunc per speculum in aenigmate, tunc autem facie ad faciem". E assim, participaremos, se bem que de modo finito, da vida própria de Deus, pois o conheceremos como ele se conhece e o amaremos como ele se ama a si mesmo. O que os teólogos explicam, dizendo que a essência divina virá unir-se ao mais íntimo da nossa alma, e nos servirá de espécie impressa para nos permitir vê-la sem intermédio algum criado, sem imagem alguma.


(Fonte: Compêndio de Teologia Ascética e Mística - Ed. Apostolado da Imprensa - 1961 - 6ª edição)

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