A despeito de todos os esforços que fizemos para desarreigar os vícios, podemos e devemos contar com a tentação, porque não nos faltam inimigos espirituais, a concupiscência, o mundo e o demônio, que não nos cessam de armar ciladas. É, pois, necessário tratar da tentação, tanto da tentação em geral, tanto das tentações principais dos principiantes.
A tentação é uma solicitação para o mal, proveniente dos nossos inimigos espirituais. Exporemos: 1º Os fins providenciais da tentação; 2º a pscicologia da tentação; 3º a maneira como nos devemos portar na tentação.
Deus não nos tenta diretamente: "Ninguém, quando é tentado, diga: é deus que me tenta; porque deus não pode ser tentado por mal algum, e ele próprio a ninguém tenta". Mas permite que sejamos tentados pelos nossos inimigos espirituais, dando-nos contudo as graças necessárias para resistir: " Fidelis Deus qui non patietur vos tentari supra id quod potestis, sed feciet etiam cum tentatione proventum"(ICor 10,13). E tem para isso excelentes razões.
1º Quer-nos fazer merecer o Céu. Teria podido certamente conceder-nos o Céu como o dom; mas quis sabiamente que o merecêssemos como uma recompensa. Quer até que o prêmio seja proporcionado ao mérito, por conseguinte, à dificuldade vencida. Ora, é indubitável que umas das dificuldades mais penosas é a tentação, que põe em risco a nossa frágil virtude. Combatê-la energicamente é um dos atos mais meritórios; e, depois de, com a graça de Deus, havemos dela triunfado, podemos dizer como São Paulo que combatemos o bom combate e que só nos resta receber a coroa da justiça que Deus nos preparou. Será tanto maior a honra e a alegria em possuir, quanto mais tivermos feito para merecer.
2º É, além disso, um meio de purificação. 1) Vem, efetivamente, recordar-nos que, se outrora sucumbimos, foi por falta de vigilância e energia, e assim é para nós ocasião de renovar atos de arrependimento, confusão e humilhação, que contribuem para nos purificar a alma. 2) Obriga-nos, ao mesmo tempo, a fazer esforços enérgicos e constantes, para não recairmos; e assim nos faz expiar as covardias e capitulações passadas, com atos contrários; ora tudo isto nos torna mais pura a alma. Eis o motivo por que, quando Deus quer purificar mais perfeitamente uma alma, para a elevar à contemplação, permite que ela passe por horríveis tentações, como veremos, ao tratar da via unitiva.
3º É, enfim, um meio de progresso espiritual. a) A tentação é como uma azorragada, que nos desperta no momento em que íamos a cair no sono da tibieza; faz-nos a compreender a necessidade de não parar a meia encosta, senão de por a mira mais alto, para se esconjurar mais seguramente qualquer perigo. b) É também escola de humildade e desconfiança de nós mesmo: compreender-se, então, melhor a própria fraqueza e impotência, sente-se mais a necessidade da graça e ora-se com mais fervor. Vê-se melhor a urgência impreterível de modificar o amor ao prazer, fonte das nossas tentações, e abraçam-se com mais generosidade as pequenas cruzes de cada dia, para se amortecer o ardor da concupiscência. c) É, enfim, escola de amor de Deus. É que, para resistir com mais segurança, lança-se o homem nos braços de Deus, me busca de força e proteção; e depois, os auxílios que ele concede não podem deixar de excitar na alma um vivo reconhecimento e de o levar a haver-se com Deus como um filho que em todas as dificuldades recorre ao mais amante dos pais.
Há, pois, na tentação numerosas utilidades, e é por isso que Deus permite que os seus amigos sejam tentados: "porque eras aceito a Deus, diz o anjo Tobias, foi necessário que a tentação te provasse: quia acceptus eras Deo, necesse fuit ut tentatio probaret te"(Tob 12,13).
(Fonte: Compêndio de Teologia Ascética e Mística - Ed. Apostolado da imprensa - 1961)
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