sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Teologia Ascética e Mística: Dons preternaturais conferidos a Adão



O dom da integridade aperfeiçoa a natureza do homem, sem a elevar a ordem divina: é seguramente um dom gratuito, preternatural, que transcende a suas existências e forças; não é porém, o sobrenatural por essência. Compreende três grandes privilégios que, sem mudarem a natureza humana substancialmente, lhe conferem uma perfeição, à qual ela não tinha o mínimo direito: a ciência infusa, o domínio das paixões ou a isenção da concupiscência, a imortalidade do corpo.





A ciência infusa. Por natureza, não temos o privilégio e o direito a uma ciência que é um privilégio dos anjos; só progressivamente e com dificuldade é que, segundo as leis psicológicas, chegamos à conquista da ciência. Ora, para facilitar ao primeiro homem o seu múnus de cabeça e de educador do gênero humano, outorgou-lhe Deus gratuitamente o conhecimento infuso de todas as verdades, que lhe importava conhecer, e uma certa facilidade para adquirir a ciência experimental: assim se aproximava dos anjos.





O domínio das paixões. Ou a isenção dessa concupiscência tirânica que torna a virtude tão dificultosa. Dissemos que, em virtude de sua própria constituição, há no homem uma luta formidável entre o desejo sincero do bem e o apetite desordenado dos prazeres e dos bens sensíveis, além de uma tendência acentuada para o orgulho: em suma, é o que chamamos a tríplice concupiscência. Para remediar este efeito natural, conferiu Deus aos nossos primeiros pais um certo domínio das paixões, que, sem os tornar impecáveis, lhes facilitava a virtude. Não havia em Adão essa tirania da concupiscência que o inclinava violentamente para o mal, mas tão-somente uma certa tendência para o prazer, subordinada a razão. Como sua vontade estava sujeita a Deus, às faculdades inferiores estavam sujeitas a razão, e o corpo à alma: era a ordem, a retidão perfeita.





A imortalidade do corpo. Por natureza, está o homem sujeito à doença e à morte; por essencial providência, foi preservado desta dupla fraqueza, para assim mais livremente poder a alma aplicar-se ao cumprimento dos seus deveres superiores.





Mas estes privilégios eram destinados a tornar no homem mais apto para receber e utilizar um dom muito mais precioso, inteira e absolutamente sobrenatural, o da graça santificante.


Por natureza, o homem é servo, propriedade de Deus. Por inexprimível bondade, de que jamais poderemos dar graças excessivas, quis Deus fazê-lo entrar na sua família, adota-lo por filho, constituí-lo como seu herdeiro presuntivo, reservando-lhe um lugar no seu reino: e, para que esta adoção não fosse uma simples formalidade, comunicou-lhe uma participação da sua vida divina, uma qualidade criada, é certo, mas real, que lhe permitiria gozar na terra das luzes da fé, tão superiores às da razão, e possuir Deus no Céu pela visão beatífica e amor proporcionado à claridade desta visão.


A esta graça habitual, que se aperfeiçoava e divinizava, por assim dizer, a própria substância da alma, acrescia virtudes infusas e dons do Espírito Santo, que divinizavam as suas faculdades, e uma graça atual que, pondo em movimento todo este organismo sobrenatural, lhe permitia fazer atos sobrenaturais, deiformes, e meritórios de vida eterna.


Esta graça é substancialmente a mesma a que nos é outorgada pela justificação; e assim, não a descrevemos pormenorizadamente, pois temos intenção de o fazer mais tarde, ao falarmos do homem regenerado.


Todos estes privilégios, exceto a ciência infusa, tinham sido dados a Adão, não como bem pessoal, senão como patrimônio de família, que devia ser transmitido a toda a sua descendência, contanto que ele permanecesse fiel a Deus.


(Fonte: Compêndio de Teologia Ascética e Mística - Ed. Apostolado da Imprensa - 1961 - 6ª edição)

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