Geralmente Deus, na sua bondade, concede consolações sensíveis aos principiantes, para os atrair ao seu serviço; depois, priva-os dela por um determinado tempo, a fim de os provar e os confirmar nas virtudes. Ora, há alguns que se julgam a chegados a certo grau de santidade, quando possuem muitas consolações; mas, se estas vem a desaparecer, dando lugar as securas e aridez espiritual, este logo se imaginam perdidos. Importa, pois, a fim de prevenir juntamente a presunção e o desalento, explicar-lhes a verdadeira doutrina sobre as consolações e as securas.
- De Deus, que procede para conosco como a mãe para seus filhos, atraindo-nos para si por meio das suavidades que nos faz encontrar em seu serviço, a fim de nos desprender mais facilmente dos falsos prazeres do mundo.
- Do demônio, que, atuando sobre o sistema nervoso, a imaginação e a sensibilidade, pode produzir certas emoções sensíveis, de que em seguida se servirá para impelir a alma a austeridade indiscreta, à vaidade, à presunção, seguida bem depressa de desalento.
- Da própria natureza: há temperamentos imaginados, emotivos, otimistas, que, dando-se à piedade, nela encontram naturalmente pasto para a sensibilidade.
As consolações oferecem indubitavelmente as suas vantagens:
Facilitam o conhecimento de Deus: a imaginação, auxiliada pela graça, compraz-se em representar as amabilidades divinas, o coração saboreia-as; e então a alma sente gosto na oração e em longas meditações, e compreende melhor a bondade de Deus.
Contribuem para fortalecer a vontade: esta, não encontrando já, nas faculdades inferiores, obstáculos, antes pelo contrário auxiliares preciosos, desprende-se facilmente das criaturas, ama a Deus com maior ardor e toma enérgicas soluções que mais facilmente observa, graças aos auxílios alcançados pela oração; amando a Deus de modo sensível, suporta generosamente os pequenos sacrifícios de cada dia, impondo-se até voluntariamente algumas mortificações.
Ajudam-nos a contrair hábitos de recolhimento, oração, obediência, amor a Deus que até certo ponto perseverarão, depois de desaparecidas as consolações.
Tem, contudo, também os seus perigos estas consolações:
Provocam uma espécie de gula espiritual, que faz que a alma se prenda mais às consolações de Deus do que ao Deus das consolações, a tal ponto que, mal desaparecem, logo se descuram os exercícios e os deveres de estado. Até o momento em que delas desfrutam essas almas, está longe de ser sólida a sua devoção: quantas vezes, sobre uma torrente de lágrimas sobre a paixão de Nosso Salvador, lhe recusam o sacrifício de tal amizade sensível, de tal privação! Ora, não há virtude sólida senão quando o amor de Deus vai até o sacrifício inclusivamente: "Há muitas almas que tem destas ternuras e consolações, e nem por isso deixam de ser muito viciosas; e por conseguinte não tem verdadeiro amor de Deus nem muito menos verdadeira devoção" (São Francisco de Sales, Vie devóte, IV).
Favorecem muitas vezes a soberba sob uma ou outra forma: 1) a vã complacência em si mesmo: quando um sente consolação e facilidade na oração, crê facilmente que já é santo, sendo que não passa ainda de noviço da perfeição; 2) Vaidade: sente-se o homem enorme desejo de falar aos outros destas consolações (na forma de testemunho), para se dar importância; e então muitas vezes Deus o priva dessas consolações por tempo notável; 3) a presunção: jugando-se forte, invencível, expõe-se por vezes ao perigo ou ao menos começa a repousar, quando seria necessário dobrar os esforços para avançar.
Para se tirar proveito das consolações divinas e escapar aos perigos que acabamos de assinalar, eis as regras que devemos seguir:
- Não há dúvida que se deve pedir e desejar as consolações condicionalmente, com a intenção de as utilizar somente para amar a Deus e cumprir sua santa vontade.
- Quando nos são dadas estas consolações, recebamo-las como gratidão e humildade, reconhecendo-nos indignos delas e atribuindo tudo a Deus.
- Tendo-as recebido com humildade, empreguemo-las cuidadosamente segundo a intenção daquele que no-las dá. Ora Deus concede-no-las, diz São Francisco de Sales, "para nos fazer suaves para com todos e amorosos para com Ele".
- Havemos, enfim, de nos persuadir que estas consolações não durarão para sempre, e pedir a Deus humildemente a graça de servi-lo na secura espiritual, quando ela no-la quiser enviar. E, entretanto, ao invés de querermos prolongar com esforço de cabeça estas consolações, o que importa é moderá-las e unir-nos fortemente ao Deus das consolações.
(Fonte: Compêndio de Teologia Ascética e Mística - Apostolado da Imprensa - 1961)
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