sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Teologia Ascética e Mística: Os efeitos da Redenção




Não contente em reparar, pela sua satisfação, a ofensa feita a Deus, e de nos reconciliar com ele, Jesus merece-nos todas as graças que havíamos perdido pelo pecado e outras ainda.


Restitui-nos, em primeiro lugar, os bens sobrenaturais perdidos pelo pecado: a) a graça habitual com o seu cortejo de virtudes infusas e dons do Espírito Santo; e, para melhor se adaptar à natureza humana, institui os sacramentos, sinais sensíveis que nos conferem a graça em todas circunstâncias importantes da vida, e nos dão assim mais segurança e confiança; b) graças atuais abundantes, que temos direito de crer até mais abundantemente do que no estado de inocência, em virtude da palavra de São Paulo: "ubi abundavit delictum, superabundavit gratia" (Rom 5,20).



É perfeitamente verdade que o dom de integridade não nos é imediatamente restituído, mas só progressivamente. A graça da regeneração deixa-nos a braço com a tríplice concupiscência e todas as misérias da vida, mas dá-nos a força necessária para triunfar de tudo isso, faz-nos mais humildes, vigilantes e ativos para prevenir e vencer as tentações, robustecer-nos assim na virtude e depara-nos ensejo de alcançar maiores merecimentos. Pondo-nos diante dos olhos os exemplos de Jesus, que tão heroicamente levou a sua cruz e a nossa, estimula-nos o ardor na luta e sustenta-nos a constância no esforço e vitórias. À medida que lutamos, sob a direção e com o apoio do divino Mestre, a concupiscência vai diminuindo, a nossa força de resistência vai aumentando, e chega por fim a hora em que muitas almas privilegiadas são de tal modo confirmada na virtude que, não obstante ficarem com liberdade de pecar, não cometem falta alguma de propósito deliberado. A vitória definitiva não se alcança senão ao entrar no Céu; mas será tanto mais gloriosa quanto maiores forem os esforços com que a houvermos comprado. Não podemos exclamar: "O felix culpa!?"



A estes auxílios interiores acrescentou Nosso Senhor outros exteriores, em particular a Igreja visível, que fundou e organizou, para nos iluminar os espíritos com a sua autoridade doutrinal, sustentar as vontades com o seu poder legislativo e judicial, santificar as almas com os sacramentos, sacramentais e indulgências. Não encontramos em tudo isto é um auxílio imenso, de que devemos dar graças a Deus: O felix culpa!?



Enfim, se não fora o pecado original, não é certo que o Verbo houvesse de encarnar. Ora a Encarnação do Verbo é um bem tão precioso que, por si só, basta a explicar o canto da Igreja: O felix culpa!



Em lugar de um chefe, bem dotado, sem dúvida, mais falível e pecável, temos por cabeça o Filho eterno de Deus, que revestido de sua natureza, é homem tão verdadeiro como é verdadeiro Deus. É mediador ideal, mediador de religião, como o é de redenção, que adora o Pai não somente em seu nome, senão também em nome da humanidade inteira, mais ainda em nome dos anjos por ele tem a dita de glorificar a Deus "per quem laudant Angeli"; é o sacerdote perfeito que tem livre acesso ao trono de Deus pela sua natureza divina, e se inclina compassivamente com os homens, constituídos seus irmãos, que Ele, rodeado como está na fraqueza, trata com indulgência: "qui condolere possit iss qui ignorante et errant, quoniam et ipse circumdatus est infirmitate"(Heb 5,2).



Com Ele e por Ele devemos tributar a Deus as homenagens infinitas a que tem direito; com Ele e por Ele podemos alcançar todas as graças de que precisamos para nós e para nossos irmãos. Quando adoramos, é Ele que adora em nós e por nós; quando pedimos socorro, é Ele quem apóia as nossas súplicas; eis o que tudo quanto pedimos ao Pai em nome Dele, nos é liberalmente concedido.



Devemos, pois, regozijar-nos de ter um tal Redentor, um tal Mediador, e depositar nele confiança ilimitada.



(Fonte: Compêndio de Teologia Ascética e Mística - Ed. Apostolado da Imprensa - 1961 - 6ª edição)

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