sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Teologia Ascética e Mística: O castigo (Parte II)



O que se pode dizer é que, pela queda original, o homem perdeu esse belo equilíbrio que Deus lhe tinha dado; que é, relativamente ao estado primitivo, um ferido e um desequilibrado, como bem o mostra o estado presente das nossas faculdades.





É isto o que aparece, antes de tudo, em nossas faculdades sensitivas.





Os nossos sentidos exteriores, os olhos, por exemplo, atiram com sofreguidão para o que lisonjeia a curiosidade, os ouvidos escutam com ânsia tudo o que nos satisfaz o desejo de conhecer as novidades, o tato busca sensações agradáveis, e tudo isso sem a mínima preocupação da regra moral.





O mesmo passa com os sentidos interiores: a imaginação representa-nos toda a espécie de cenas mais ou menos sensuais, as paixões se precipitam com ardor, com violência e até, para o bem sensível e sensual, sem se inquietarem com o lado moral, procurando arrastar ao consentimento a vontade. Certos que estas tendências não são irresistíveis, visto que estas faculdades ficam em certa medida, sujeitas ao império da razão; mas que tática, que esforços não se requerem para submeter estes vassalos em revolta!





As faculdades intelectuais que constituem o homem propriamente dito, a inteligência e a vontade, foram atingidas também pelo pecado original. a) É certo que nossa inteligência permanece capaz de conhecer a verdade, e com trabalho paciente, adquire, até mesmo sem o auxílio da revelação, conhecimento de um certo número de verdades fundamentais da ordem natural. Mas que de fraquezas humilhantes:





1) Em lugar de subir espontaneamente para Deus e as coisas divinas, em vez de se elevar as criaturas para o criador como o houvera feito no estado primitivo, tende-se a absolver-se no estudo das coisas criadas sem remontar a sua causa, a concentrar a sua atenção sobre o que satisfaz a sua própria curiosidade e a descurar o que se refere a seu fim; as preocupações do tempo impedem-na muitas vezes de pensar na eternidade.





2) E que facilidade em cair no erro! Os enormes preconceitos que somos propensos, as paixões, que nos agitam a alma e lançam um véu entre ela e a verdade, extraviam-nos infelizmente muitas vezes, até nas questões mais vitais, donde depende a direção da nossa vida moral. b) A nossa vontade em lugar de se submeter a Deus, tem pretensões à independência; custa a se sujeitar a Deus e sobretudo aos representantes na terra. E então, quando de trata de vencer as dificuldades que se opõe à realização do bem, quanta fraqueza e quanta inconstância no esforço! E quantas vezes não se deixam a ela arrastar pelos sentimentos e pelas paixões! São Paulo descreveu, em termos frisantes, esta deplorável fraqueza: "Eu não faço o bem que quero, mas faço o mal que não quero... Porque me deleito na lei de Deus, segundo o bem interior; vejo porém, nos meus membros outra lei que luta contra as leis do meu espírito, e me torna cativo da lei do pecado, que está nos meus membros. Homem infeliz que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte? Graças a Deus, por Jesus Cristo Nosso Senhor"(Rom 7,19-25). Assim, pois, conforme o testemunho do Apóstolo, o remédio para este estado lamentável é a graça da redenção, de que nos resta falar.


(Fonte: Compêndio de Teologia Ascética e Mística - Ed. Apostolado da Imprensa - 1961 - 6ª edição)

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