domingo, 20 de janeiro de 2008

Domingo da Septuagésima: "Ide vós também para a minha vinha" (Ev.)




Depois assistirmos à recepção entusiástica com que a Igreja recebeu o Verbo encarnado, vamos entrar nos recessos tenebrosos da decadência humana.




A Septuagésima principia sempre na nona semana antes da Páscoa e compreende os três domingos denominados: Septuagésima, Sexagésima e Qüinquagésima. A designação derivante do sistema de numeração em uso, marca a série das dezenas sobre que recaem estes domingos. Com efeito se dividirmos as nove semanas antes da Páscoa em séries de dez dias, poderemos constatar que o primeiro Domingo dos 9 domingos cai na sétima dezena, o segundo na 6ª dezena e o terceiro na 5ª dezena.





A festa da Páscoa é móvel e pode ser celebrada conforme os anos, entre os dias 22 de Março e 25 de Abril. Quando vem mais cedo, a Septuagésima começa ainda no tempo da Epifania.





O tempo da Septuagésima é o prelúdio do grande jejum da Quaresma e serve de preparação remota para as festas da Páscoa. Serve de transição a alma cristã que deve passar das alegrias do Natal para as penitências austeras da Quaresma. E se o jejum ainda não é rigoroso, a cor dos paramentos já é roxa, a cor da penitência. Não se reza o Glória, porque esse canto de alegria que celebrou Cristo nascido em nossa carne mortal, deve se cair durante este período de tristeza, que envolve a alma da Igreja por causa dos pecados dos homens, para irromper de novo no dia da ressurreição.





A Quaresma, de quarenta dias e as três décadas da Septuagésima, simbolizam perfeitamente os setenta anos de cativeiro na Babilônia. Este tempo termina para o ciclo litúrgico na Quarta-Feira de Cinzas.





A aproximação dos textos do breviário e do missal, essa semana, esclarece-lhes singularmente o sentido e a importância. As lições e os responsórios dos ofícios da noite são tirados do Gênesis e relatam a história da criação do mundo e do homem, a queda dos primeiros pais, a promessa do redentor e finalmente a morte de Abel e a seqüela das gerações até Noé. "No princípio, diz o livro santo, Deus criou o Céu e a Terra, formou o homem e colocou-o num Jardim de delícias para o cultivar". Jesus Cristo, observa São Gregório, diz-nos que o Reino dos Céus é semelhante a um Pai de família que assalaria um monte de operários para a sua vinha. Olha quem pode melhor representar o Pai de Família que o Criador, que governa com a sua providência tudo que é criado neste mundo e traz neste mundo os seus escolhidos como o Senhor traz o Servo na sua casa? A vinha é a Igreja. Todos os aplicaram com retidão à prática do bem e exortaram os outros com a palavra ou com o exemplo a enveredar pelos caminhos da virtude, são operários desta vinha. Pelos da primeira, terceira, sexta e nona hora, quis o Senhor designar o povo judeu, que desde o princípio se esforçou a servir a Deus na pessoa de seus profetas e de seus santos não cessou de trabalhar no cultivo da vinha. Pelos da Undécima, designou os gentios e a eles se dirige:" Porque estais aqui o dia todo sem fazer nada?" Todos os homens são pois convidados a trabalhar na vinha do Senhor, quer dizer, na própria santificação e na alheia, e glorificar por este modo a Deus. Mas Adão falhou na sua missão: "porque tu comeste do fruto da árvore que te ordenara que não comesse, a terra por tua causa será maldita e tirará dela teu sustento à força do trabalho. Só dará espinhos e cardos. Comerás o pão do suor do teu rosto até que voltes da terra donde saístes." Exilados do Paraíso, diz Santo Agostinho, o primeiro homem comunicou a pena de morte e reprovação a todos os descendentes. O gênero humano, assim condenado, foi por assim dizer afundado na desgraça que vai arrastando consigo através das misérias da vida. Os textos das missas estão cheios dos mesmos pensamentos. "Dores de morte me cercaram", diz o Intróito. E é com justiça, diz a oração, que sofremos pelos nossos pecados. A Epístola nos apresenta a vida como um circo onde é necessário lutar para ganhar a coroa. O denário da vida Eterna, acrescenta o evangelho, será dado só aquele que trabalhar na vinha do Senhor. Deus na sua sabedoria preferiu, diz Santo Agostinho, tirar bem do mal, e não permitir mal algum. Deus com efeito compadeceu-se dos homens e prometer-lhes um segundo Adão que restabeleceria a ordem perturbada pelo primeiro. O Paraíso era a "sombra duma vida mais perfeita". Exilados de lá com Adão veio nos abrir as portas e dar-nos a oportunidade de lá entrarmos. Senhor, canta a Igreja, vós sois o nosso auxílio na angústia e na indigência. Tendes o perdão convosco, iluminais sobre nós a vossa face e salvai-nos.





A missa da Septuagésima assim estudada prepara-nos para começar este novo período do ano litúrgico com uma compreensão mais perfeita dos mistérios pascais. Aprende-se melhor deste modo tudo o que a Páscoa representa e o que a Igreja nos ensina quando diz: Deus criou o homem duma maneira admirável e o resgatou de uma maneira mais admirável ainda.









Evangelho de Domingo:





Continuação do Santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus: Naquele tempo:
Com efeito, o Reino dos céus é semelhante a um pai de família que saiu ao romper da manhã, a fim de contratar operários para sua vinha.
Ajustou com eles um denário por dia e enviou-os para sua vinha.
Cerca da terceira hora, saiu ainda e viu alguns que estavam na praça sem fazer nada.
Disse-lhes ele: - Ide também vós para minha vinha e vos darei o justo salário.
Eles foram. À sexta hora saiu de novo e igualmente pela nona hora, e fez o mesmo.
Finalmente, pela undécima hora, encontrou ainda outros na praça e perguntou-lhes: - Por que estais todo o dia sem fazer nada?
Eles responderam: - É porque ninguém nos contratou. Disse-lhes ele, então: - Ide vós também para minha vinha.
Ao cair da tarde, o senhor da vinha disse a seu feitor: - Chama os operários e paga-lhes, começando pelos últimos até os primeiros.
Vieram aqueles da undécima hora e receberam cada qual um denário.
Chegando por sua vez os primeiros, julgavam que haviam de receber mais. Mas só receberam cada qual um denário.
Ao receberem, murmuravam contra o pai de família, dizendo:
- Os últimos só trabalharam uma hora... e deste-lhes tanto como a nós, que suportamos o peso do dia e do calor.
O senhor, porém, observou a um deles: - Meu amigo, não te faço injustiça. Não contrataste comigo um denário?
Toma o que é teu e vai-te. Eu quero dar a este último tanto quanto a ti.
Ou não me é permitido fazer dos meus bens o que me apraz? Porventura vês com maus olhos que eu seja bom?
Assim, pois, os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos. [ Muitos serão os chamados, mas poucos os escolhidos.]




Lefebvre, Dom Gaspar. Missal Quotidiano e Vesperal. Bruges, Bélgica; Abadia de S. André, 1960.




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