segunda-feira, 21 de abril de 2008

Liturgia: Arte Religiosa nas Catacumbas (Postado em 20/08/2007)

As numerosas inscrições, pinturas e esculturas que se encontraram nas catacumbas, apresentam o maior interesse para a Apologética e a Teologia Dogmática. Traduzem, com efeito, ainda que de modo obscuro e enigmático, a fé da primitiva Igreja. Obscuro e enigmático, sim, porque reinam em toda a parte, nas produções dos primeiros séculos, a alegoria e o simbolismo. Exigia-o a disciplina do Arcano¹ que a Igreja tinha sido estabelecido como lei, para arredar os perigos que a salteavam, de contínuo, no mundo pagão. Esta atmosfera misteriosa é manifesta em qualquer monumento primitivo da religião católica. Nada se vê, em parte alguma, capaz de revelar aos olhares dos profanos os segredos das coisas santas.

As inscrições apresentam geralmente a maior singeleza, em contrastes com as legendas pagãs. Muitas vezes, só o nome do falecido ou a idade, a data da morte. E, mais raro, o nome, breve invocação: "Vivas in Deo, in Christo, in Pace, cum sanctis; Viva (descansa) em Deus, em Cristo, em paz, com todos os santos". Alguns dizeres vê-se que traduzem a crença dos primeiros cristãos num só deus, na divindade de Nosso Senhor e do Espírito Santo; Outros lembram os sacramentos do batismo e do Crisma. "Fidem accepit, recebeu a fé"; e "Signatus numere Cristi, está marcado com o dom de Cristo".

As pinturas nas paredes e abobadas das criptas, como também dos cubículos, estão miúdo cobertas de estuque e adornadas de numerosos painéis. Nosso Senhor, freqüentemente, é representado na figura alegórica do Bom pastor, simbolizando a dedicação e a caridade, e na do cordeiro que recorda a sua imolação na Cruz. Encontra-se também pinturas de assuntos bíblicos: Noé na Arca, o sacrifício de Abraão, considerado tipo de Holocausto sangrento no Calvário e do holocausto incruento da missa. Mas as pinturas mais estimadas, são as que tratam dos sacramentos; por exemplo a eucaristia aparece figurada por um peixe², que leva no dorso pão e vinho; o sacramento da penitência pela imposição das mãos etc.

As esculturas, avultam igualmente, nos cemitérios dos primeiros cristãos. Muitas vezes nos sarcófagos estão cobertos, na face anterior e nos dois lados, com baixo-relevo. O assunto religioso mais aproveitado ali são pessoas na atitude da prece. Noé na arca, Daniel entre os leões, Jesus mudando a água em vinho, o Bom Pastor... Muitas vezes, aparecem emblemas esculpidos nos túmulos: ora uma pomba, simbolizando a inocência, ou o martírio e a ressurreição; ora uma âncora significando esperança; ora uma palma, lembrando o triunfo.

A legislação romana declarava sagrados e invioláveis os túmulos, quem quer que fosse o dono deles, ou a religião a que pertencesse. Daí resultaram duas coisas: 1º) Não havia para os cristãos, em tempos de perseguição, refugio melhor que os cemitérios; 2º) Os ricos convertidos, consideravam obra de caridade a oferta dos próprios domínios funerários a seus irmãos de crença.
No princípio, nos cemitérios onde se acolhem os cristãos, fugindo dos seus algozes, são propriedades particulares. Porém aos poucos, tornando-se muito numerosas as sepulturas, para ficarem na posse de uma família, esta dava a Igreja os tais campos funerários. Desta forma, no século III, parte dos cemitérios pertencia à Igreja e eram por ela administrados. Infelizmente, o direito da Igreja foi desrespeitado pelo edito de perseguição de valeriano. Seqüestrou os cemitérios e proibiu, sob pena de morte, o ingresso neles. Depois de muitas alternativas de sossego e de borrascas, a Igreja recuperou os bens que Diocleciano lhe tinha confiscado e pode assim gozar da liberdade, com o Imperador Constantino Magno. Um edito de 312 autorizou os cristãos a celebrar as assembléias e se quisessem e a construir templos. Outro edito, em 313, promulgado em Milão, equiparava no aspeto legal, o cristianismo a seus cultos. A partir deste dia, é que os lugares de culto passaram a ser as basílicas. Assunto este que abordaremos na próxima semana falaremos sobre a origem das basílicas.


(1) Disciplina do Arcano ou Sigilo - A Igreja dos primórdios trazia viva, na mente, a exortação do mestre: "Não deitei as coisas santas aos cães"(Mat 7, 6). Impôs a regra a ocultar os dogmas da fé e as cerimônias do culto, aos que não houvessem aderido a ela pelo batismo. Eram simples cautela contra pagãos idólatras, que teriam mofado de uma religião que não compreendiam, e contra os catecúmenos, de fé ainda fraca, que talvez achassem nisso um obstáculo. Era afim de também não provocar perseguições. A disciplina do Arcano abrangia principalmente os mistérios, nomeadamente o da Santíssima Trindade, assim como os ritos e as doutrinas dos sacramentos. Vigorou esta disciplina até o século VI; portanto, ainda muito depois do triunfo do cristianismo.
(2) O peixe é o símbolo secreto do cristo, porque a palavra peixe (em grego), é formada pelas iniciais dos vocábulos: Iesou Christos Theou Uios Soter (Jesus cristo, filho do Deus, Salvador).


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